terça-feira, 15 de setembro de 2009

A DOR DE LACRIMEJAR


Sábado, 20 horas. Entre um pensamento e outro me perguntava se iria ou não àquela festa com Felipe e Anderson. Algo me dizia que sim, afinal era aniversario de Gustavo, um grande amigo nosso desde a infância. Ah, que belas lembranças daquela época! Nunca pensei que uma amizade pudesse durar tanto tempo assim, apesar de sempre prometermos, um ao outro, eterna amizade.

Lu não queria ir comigo à festa por não gostar de Ricardo, irmão de Gustavo, e, por isso, ela estava meio triste, pois sabia que pelo fato de Gustavo (o Guga) ser meu melhor amigo, provavelmente eu iria ao seu aniversário, mesmo sem ela.

A festa começara às 19 horas e, logo, atrasado estava. Ainda me vestia quando uma coisa ruim me cercou. Calafrios, más sensações, agonias. Passei cerca de cinco/dez minutos deitado na cama vendo o ventilador do teto girar. E com ele meus pensamentos giravam em torno de uma questão: Será que isso é um aviso para eu não ir à festa? Acabei adormecendo. Sonhava. E no sonho dançava com Luana uma valsa. Parecia uma princesa em um vestido cor de creme. Aquele creme amarelinho, da cor de sorvete de creme com passas, que, aliás, é o nosso favorito. O sonho seguia, mas o estranho é que eu chorava. E sem saber o motivo. Durante a dança, eu me perguntava por qual motivo lacrimejava, tentei então acreditar que era de alegria e continuei a dançar.

A música para. De repente, ouço um cachorro latir ao longe. E seu latido ficava cada vez mais forte. Era Nina, a cadela de meu vizinho, que vira um gato no muro. Acordado, pela janela via o bichano quando me lembrei de Guga. Não sei o que o animal me fazia lembrar dele. Deve ser algo da infância, talvez pelo fato de termos, quando éramos vizinhos, criado juntos um gatinho que achamos na volta da escola.

Enfim, decidi que iria, sim, para festa e que Luanna teria que entender que aquela sua reação, era egoísmo. Se ela não queria ir, que não fosse, ora. Gustavo ficaria chateado se eu não aparecesse. Decido ir, mas antes ligo para Lu para chamá-la mais uma vez, talvez, nesta última tentativa, eu pudesse convencê-la a me acompanhar. Seu celular chama até a ligação cair. Não ligo novamente, pois, com certeza, quando ela visualizar a chamada não atendida, me retornará como sempre. Termino de me arrumar.

Já eram 21h10min. Estava no banheiro escovando os dentes para sair, quando D. Lucy me liga dizendo – Meu filho, me desculpa por tudo! – Não demorei a perceber que, entre lágrimas, ela queria me dizer algo – Calma, D. Lucy. O que foi que aconteceu? A senhora está bem? Onde a senhora está? – Falei de forma doce tentando acalmá-la e provando que não estava ficando nervoso também ou, pelo menos, tentava não transparecer para ela. – Sabe meu filho, quero que me desculpe por tudo. Sou uma idiota mesmo. Sempre impliquei em você namorar minha filha. Sou uma idiota mesmo. Desculpa do fundo do coração – Entrando no choro, mas tentando me segurar, pensei duas coisas: apesar de ter mexido comigo, achei aquela ligação muito estranha e isso me fez pensar que não era só aquilo que ela queria me falar. Aquela ligação traria mais coisas – Onde a senhora está, Dona Lucy? - No Hospital Central, Humberto. Vou te contar logo! Sabe a Luana, minha filha querida... a nossa Luana querida... ela sofreu um acidente – Essa ultima frase veio como um soco no peito, que me pegou em cheio, e sem conseguir falar, continuei apenas a escutá-la - Ela sofreu um acidente quando ia de táxi, com sua amiga Sheyla para uma festa no... - Nervosíssimo falei sem sequer deixá-la continuar – Acidente? Como? Onde? Que horas? – Extremamente nervosa, entre choro e soluços e com uma voz perceptivelmente triste e melancólica, ela continuava. – Meu filho, eu não sei como te dizer, mas Luana... a nossa Luana, não está mais entre nós.

Aquelas palavras vieram como um punhal que foi cravado em meu peito. A primeira lágrima de muitas começa a cair. E aquele punhal estraçalhava meu peito, que também chorava e seguia arrastando até o estômago em uma dor mais forte que um soco. Lágrimas de sangue. Calado por alguns segundos, lembrei-me de tudo que vivemos até ali: os banhos de chuva; o seu riso belo e sincero; seu olho pequenininho e fixador, que foi o que fez eu me apaixonar por ela. Lembrei dos nossos melhores momentos. Um verdadeiro filme passava na minha frente. Imagens estas que eram refletidas na parede de meu quarto, que parecia está todo triste também. Aquela sensação de perda tomou conta de mim.

Lembro-me agora do dia em que a conheci naquele curso de férias da faculdade. Ela estava na barraquinha de sorvete com um sorvete de creme com passas, quando chego para comprar um sorvete para mim, também de creme com passas. Nunca me esquecerei daquele dia. Ela estava toda – Meu filho! - D. Lucy interrompe meu pensamento e o silêncio que ecoava há segundos – Humberto, me escute. - Senti da parte dela uma grande pausa para respirar como se ela tivesse se preparando para continuar a falar - Luana realmente te amava. Ela estava indo te fazer uma surpresa. Quando ela saiu com Sheyla, ela me disse que vocês haviam discutido e que ela iria para a festa de Gustavo para fazer as pazes contigo lá. Sheyla ia no táxi com ela. As duas levavam dois quadros com uma foto de vocês três com Gustavo para presentear você e ele. – Enquanto ela continuava falando, meus olhos continuavam lacrimejando e transbordando como nunca havia acontecido antes. Minha blusa já estava ensopada de tanta lágrima que eu não sabia de onde vinha – Sheyla, que agora está internada, me falou que antes de Lu... – entre choros cansados, D. Lucy parecia não querer falar, mas continuou, mesmo transparecendo está sem forças e em péssimo estado para continuar – Antes de Lu... morrer, Sheyla disse que ela a pediu para que você a desculpasse. Ela não gostava de Ricardo pelo fato de eles terem sido namorados sete anos atrás e ele a fez sofrer muito. Não era egoísmo ela não querer ir a festa de Gustavo, por isso ela pediu que você a perdoasse. E aqui, diante do pedido de perdão da nossa Lu, também faço o meu.

Dor, sofrimento, tristeza e choro eram o que fazia comunhão entre D. Lucy e eu naquela ligação. Um nó na garganta e um aperto no peito me calavam. Sem reação somente a escutava, entre soluços. – Humberto, mais uma vez peço que me desculpe por tudo, fui uma idiota. Ela realmente te amava. Só realmente tive certeza disso quando cheguei à BR, graças a Sheyla que me ligou logo após o acidente. Foi aí meu filho que percebi que ela realmente te amava e muito. Em seu celular que tocava a música tema de vocês dois, no chão do táxi, vi duas coisas: a primeira era seu lindo, lindo rosto sorrindo e o nome “Meu Amor” piscando na tela do celular... Era você ligando, Humberto, mas não tive coragem de atender. Eu estava sem condição no momento. Então, a música parou de tocar no celular que eu abraçava junto a minha filha desacordada enquanto a ambulância não chegava.

A segunda coisa que vi, foi uma mensagem pronta para ser enviada dizendo o seguinte: “Não te atendi, Beto, porque queria te fazer uma surpresa. Desculpa meu egoísmo. Te amo e para sempre te am”. O celular estava arranhado. Sheyla me disse que Lu digitou isso depois que ela me ligou. Lu não conseguia falar, por isso pediu que Sheyla me telefonasse. Ela ia apenas te enviar uma mensagem. Ainda digitando, Luanna soltou o celular já sem forças e, fora do carro, deitada no asfalto, dentro de um coração não acabado escreveu com sangue... Lu e Beto.